sábado, 22 de dezembro de 2007

O *consumo* nosso de cada dia... em dia de Natal

Publicado em [InfoNature.Org - PT]: Sugestões simples para ter um Natal e fim de ano melhor.

"As grandes firmas de relações públicas, de publicidade, de artes gráficas, de cinema, de televisão ... têm, antes de mais, a função de controlar os espíritos. É necessário criar "necessidades artificiais" e fazer com que as pessoas se dediquem à sua busca, cada um por si, isolados uns dos outros. Os dirigentes dessas empresas têm uma abordagem muito pragmática: "É preciso orientar as pessoas para as coisas superficiais da vida, como o consumo." É preciso criar muros artificias, aprisionar as pessoas, isolá-las umas das outras. (1)"

O consumo encontra-se instituído, na sociedade moderna e dita ocidental em que nos inserimos, como um valor cultural, como um elemento intrínseco ao(s) nosso(s) estilo(s) de vida e que nos caracteriza enquanto indivíduos. Na realidade, os princípios e práticas inerentes ao consumo, toda a sua dimensão sociológica e utilidade prática no seio do modelo ideológico neoliberal, passam ainda despercebidos à generalidade dos indivíduos e possuem uma preponderância crucial mas subliminar, profunda mas sonegada, na forma como os indivíduos se concebem (e são concebidos) enquanto seres sociais.

O consumo, por definição, é uma actividade que pressupõe a satisfação - geralmente por intermédio de uma troca financeira - de um conjunto de necessidades mais ou menos essenciais dos indivíduos. O cerne da questão é precisamente esse: quem é que determina o que é de facto uma necessidade essencial? Sendo todo o contexto social e cultural fulcral na forma como os seus valores são absorvidos - normalmente de uma forma inconsciente e automática - pela generalidade dos indivíduos, pode-se desde logo presumir que num contexto de acelerada globalização, em que o "American Way of Life" funciona como modelo cultural, social e económico homogenizador, também os conceitos a ele inerentes, como o do consum(ism)o, obedecem à mesma lógica de acentuada "mercantilização" da vida e das relações humanas à escala global.

Ou seja, a utilidade do consumo, numa lógica liberal, está muito longe de se esgotar nessa finalidade "básica" e até "anacrónica" de satisfação de necessidades essenciais à vida humana ou, eventualmente, nem será essa a sua finalidade mais fundamental: um dos principais propósitos do consumo será o de preencher todo o vazio social decorrente da eliminação das formas de socialização e de identidade colectiva anteriores à "revolução" neoliberal. Mais até do que preencher o vazio, a sua utilidade no seio do sociedade global é a de substituir - ele próprio - essas formas, condicionando os indivíduos no sentido de participarem socialmente de uma maneira extremamente conveniente para toda a dinâmica do sistema. Isso só é possível através de diversos mecanismos de comunicação e condicionamento de massas de entre os quais a publicidade será talvez o mais significativo, ou pelo menos um dos mais comuns.

Por outras palavras, de tão precário e volátil que o emprego se tornou, tendo a componente produtiva das empresas sido deslocada para países designados de 3ªmundo (onde estas ficam de forma quase plena a salvo de medidas protectoras dos direitos laborais e, por exemplo, leis de protecção ambiental) tendo a vida social, cultural e colectiva sido esvaziada de conteúdo por um paradigma de pensamento essencialmente economicista, nomeadamente seguindopressupostos de apropriação individual de bens materiais, resta ao indivíduo essa função de consumidor. O consumo enquanto princípio existencial, valor de pensamento e projecto de vida. O consumo enquanto meio e fim. Do ponto de vista económico, é um consumo ilimitado que permite manter as taxas de crescimento económico que se encontram na base de todo o sistema financeiro especulativo mundial, isto ao mesmo tempo que os recursos são cada vez mais escassos e, por muito que possa custar perceber, finitos .....

Uma pequena elite ávida de poder, ganância e zeros na conta bancária que continua, com a nossa conivência quase plena, a conduzir os destinos da quase totalidade da população mundial ao mesmo tempo que a Terra de todos nós, e de ninguém em particular, se continua a degradar por via de uma impiedosa exploração parasitária e insaciável.

O consumo possui hoje, portanto, um significado prático e sociológico primordial em todo um contexto determinado por um liberalismo adoptado à escala mundial: muito para além da sua função "pré-histórica" de satisfação de necessidades essenciais, actualmente, as supostas necessidades dos indivíduos - necessidades desde logo, muitas delas, artificialmente criadas pelos poderosos departamentos de marketing das principais corporações -- são o pretexto ideal para reproduzir a disseminar o consumo enquanto instituição teológica, dogma cultural e mecanismo prático de alienação colectiva, mas por via de um crescente processo de feroz competição e estratificação individual materialista.

O consumo surge como conduta activa e colectiva, como coacção e moral, como instituição também. Compõe todo um sistema de valores, com tudo o que este termo implica enquanto função de integração do grupo e de controlo social. (2) Ao Domingo já não vamos à missa, vamos ao "shopping".
Num contexto em que os mecanismos susceptíveis de modificar e configurar toda a conjuntura mundial se encontram, de uma forma ou de outra, apropriados por um conjunto restrito de poderosas corporações - detidas por um grupo restrito de indivíduos - e quando os mecanismos democráticos convencionais são cada vez menos representativos e cada vez mais inócuos - numa sociedade que tende para a homogeneização através desse propósito comum a todos que é o de consumir - um dos poucos fenómenos que parece, ainda, atribuir alguma importância ao indivíduo comum é, exactamente, o consumo. Enquanto consumidores somos teoricamente bajulados por todo o género de promoções e mimos publicitários, técnicas e tácticas de propaganda várias.

Aturdidos que estamos nesse "propósito colectivo" e paradoxalmente ferozmente individualizante que é o de consumir, a nossa consciência social, humana e ecológica é, sobremaneira, alienada e as próprias consequências inerentes ao consumo estão muito longe de ser percepcionadas por todos nós, elos cruciais que somos nas relações existentes entre as deploráveis condições produtivas nos sítios mais remotos do mundo (destruição de habitats naturais, situações de exploração laboral, mecanismos económicos de neocolonialismo) e as condições de consumo, sobretudo nos países economicamente mais poderosos, dado que somos nós que adquirimos esses produtos. Mas é importante salientar que também aí, nos países ditos desenvolvidos, existam enormes disparidades sociais e o próprio consumo não decorre de forma homogénea mas sim, e cada vez mais, é ele próprio sintomático da existência de estruturas socais piramidais, com enormes disparidades entre o topo e as bases.
Enquanto as "classes" do topo consomem produtos obscenamente luxuriosos e altamente ostentatórios, as classes das "bases" não deixam de poder participar no grande festim consumista liberal com uma cada vez maior proliferação de lojas de produtos chineses fabricados, por norma, em condições ambientais e laborais deploráveis. Mas no entanto baratos, e é isso que importa claro.

As repercussões de todo o sistema e do próprio consumo ao nível cultural também não são inestimáveis. Toda a nossa paisagem cultural, as cidades, as estradas, as ruas, os meios de comunicação, estão repletas de mensagens publicitárias induzindo mais e mais consumo. Um consumo obstinado, nada ético e que prejudica muito mais a vida e os seres vivos do que é realmente útil. Consumimos mais, muito mais, por consumir do que propriamente por necessitarmos de facto de satisfazer uma qualquer necessidade real, ou pelo menos uma necessidade que nos traga mais do que uma efémera sensação de felicidade.
Na economia mundial, os ricos tornam-se cada vez mais ricos. Vinte por cento do mundo consomem 80 por centro dos recursos - são dados do Banco Mundial. (O mundo) está cada vez mais nas mãos de 300 ou 400 famílias. Três famílias americanas - entre as quais a de Bill Gates - têm o equivalente ao produto nacional bruto, de cada ano, de 48 estados africanos que representam 600 milhões de pessoas. (3)

O que só demonstra esse propósito bem claro que o consumo adquire hoje, ou seja, o consumo do cidadão comum - cada vez mais restringido em termos de escolhas, dado que cada vez menos e mais poderosas corporações controlam cada vez mais sectores da economia - é o tributo que temos de pagar a esses novos senhores feudais globais. Isto os que podem pagar esse tributo mínimo e não se vêm atirados para o lodo da segregação social.

Como se não bastasse, e só para elucidar ainda melhor acerca da natureza doentia do consum(ism)o, a ONU calcula que o conjunto das necessidades básicas de alimentação, água potável, educação e cuidados médicos da população mundial poderia ser coberta com uma taxa de menos de 4% sobre a riqueza acumulada das 225 maiores fortunas. Satisfazer os requisitos básicos de água e saneamento de todo o mundo custaria apenas 13 biliões de dólares, sensivelmente, a mesma quantia que a população dos Estados Unidos e da União Europeia despende anualmente em perfume.(4)

A questão que urge colocar é como chegámos a este ponto de perversidade? Como é que chegamos a um ponto em que consideramos mais natural o nosso direito a adquirir produtos, mais ou menos, supérfluos de cosmética do que o direito de milhões de seres vivos a uma vida condigna?
Porque a preponderância do consumo apesar de bastante subliminar não é inocente, bem pelo contrário, nós, enquanto consumidores, possuímos uma importância muito relevante quando tomamos as decisões relativas àquilo que compramos e que utilizamos. Por vezes "pequenas" grandes opções podem, de facto, fazer bastante diferença. Existem diferenças enormes entre adquirirmos um produto fabricado na China em condições, em grande parte dos casos, deploráveis e de manifesta exploração laboral e ambiental, e um produto fabricado, por exemplo, localmente em condições das quais temos boas possibilidades de estar informados. Por quem, em que condições, com que materiais, em suma: com que pegada ecológica e social?

Em Portugal, país onde a proliferação de grandes centros comerciais e afins não cessa de aumentar, a fúria consumista é particularmente selvagem e alienadora, com os apelos e induções agressivas ao consumo a aumentaram ao mesmo ritmo que as condições sociais e também ambientais se deterioram de forma muito acentuada, mesmo que esse consumo mais não signifique do que alienação colectiva, destruição e enorme desgaste de habitats naturais, assim como lucros chorudos para grandes corporações empresariais ao mesmo tempo que o comum trabalhador é cada vez mais precário e explorado.
O Natal, Numa época natalícia, em que o aliciamento ao consum(ism)o adquire contornos de verdadeiro fenómeno de psicose colectiva, urge lançar as bases de reflexão sobre aquilo que nós próprios somos enquanto seres sociais. Será que vamos, em letárgicas visitas aos hipermercados ou mega centros comerciais, continuar a aceitar o papel de meros consumidores apáticos, e reduzir toda as nossas dimensões pessoais, sociais, humanas a uma mera escala de bens materiais que nos pretendem fazer crer ser essenciais para a nossa vida e felicidade?
Será que não podemos acreditar que uma sociedade que se designa por "de consumo", ou seja, descartável, despojada de conteúdo, desumana, se torne numa sociedade bem mais igualitária, fraterna e solidária para todos os seres?

A mudança começa em cada um de nós, na forma como pensamos, agimos e, cada vez mais, na forma como compramos também. Apesar de ser para nós a mais comum, a verdade é que existem muitas outras formas de satisfazer as nossas necessidades mais elementares, algumas delas até sem recurso ao acto de comprar propriamente dito. Possibilidades como a auto-produção, a troca, aprendermos a viver mais e mais com menos apesar de não tanto conhecidas não deixam por isso de ser menos válidas. Mesmo comprando, há muitos possibilidades de o fazermos de forma mais reflectida e moderada, nomeadamente recorrendo a modelos de comércio alternativo, nomeadamente Comércio Justo, Produtos Ecológicos e reutilizados, feitos de materiais reciclados, instituições não governamentais, sistemas de crédito não monetário, comércio de pequena escala e familiar, comércio tradicional. Originalmente o dinheiro seria como um meio intermediário das trocas comerciais. Gradualmente, e sobretudo no âmbito da nova ordem liberal, tem-se vindo a tornar num fim cada vez mais obstinado capaz de nos tornar totalmente dependentes e egoístas.

Não é por isso de admirar que, justamente em nome do dinheiro, os nossos comportamentos de consumo sejam em larga medida "irresponsáveis" e artificialmente ampliados, sem que nada disso nos traga uma felicidade que não uma meramente ilusória. É tempo de comprarmos somente aquilo que verdadeiramente necessitamos para nos podermos sentir felizes, de comprarmos somente os produtos que por detrás da publicidade, das prateleiras repletas de mil cores, das promoções e mais promoções, têm uma verdadeira história da qual se podem orgulhar, e não uma história das que chegam até nós muito mal contadas e até totalmente sonegadas: de milhares de trabalhadores do dito terceiro mundo praticamente escravizados, de multinacionais gananciosas e obstinadas em controlar o comércio mundial, de habitats naturais completamente devastados. Histórias que nós não queremos mais ouvir e ser coniventes. Podemos ser nós próprios, no simples acto de comprar, a escrever uma nova história bem mais bonita, bem mais humana, bem mais de acordo com o mundo, que no mais íntimo de nosso coração, nos atrevemos a conceber e sonhar. Todo o mundo é composto de mudança, e a mudança somos nós próprios, nós somos a mudança que queremos ver no mundo!
Para um Natal diferente, um site repleto de ideias e criatividade para um Natal não consumista e verdadeiramente natalício:
http://gaia.org.pt/econatal/


A propósito do consumo e da globalização, consumo e publicidade um livro absolutamente essencial: No Logo, de Naomi Klein, ed: Relógio de Água
(1) Chomsky, Noam. Duas horas de lucidez. Mem Martins, Editorial Inquérito.(2) Baudrillard, J. (1996). A sociedade de consumo. Lisboa, Edições 70.(3) Zanotteli cit. in. Marujo, A. (2003). Missionário "mais incómodo" de Itália quer igreja empenhada contra armamento, Público, nº4671 / 5 de Janeiro de 2003, pp. 21.(4) Ramonet, I. (1998). The politics of hunger. [Em linha]. Disponível em <_http://mondediplo.com/1998/11/01leader_>. [Consultado em 10/01/2003].

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Ja alguma vez te perguntas-te de onde vem o dinheiro?


Este video (Money as debt) explica de forma muito simples de onde vem o dinheiro. Uma verdade que todos deveriamos conhecer.

VER VIDEO

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Dia sem compras em Portugal

Para minha grande alegria descobri que o G.A.I.A. organiza um dia sem comprar em Portugal. Iupi!! Mais informações no site:

http://gaia.org.pt/semcompras/





"25 de Novembro de 2006 - DIA SEM COMPRAS,

o autoproclamado festival de celebração da vida pela vida. Um dia para te desafiares a ti, à tua família e amigos a desligar o canal shopping e sintonizar para a vida. Celebrado como um feriado por alguns, uma festa de rua por outros - qualquer pessoa pode participar, a única condição é não consumir.
Este ano a mensagem é clara: comprar menos, viver mais! Tentar uma vida simples por um dia, passando o tempo com aqueles que gostamos em vez de gastar dinheiro com eles.
É também um dia de reflexão sobre as consequências ambientais, sociais e éticas do consumismo. Os países desenvolvidos - que constituem cerca de 20% da população mundial consomem 80% dos recursos naturais do planeta, causando um nível desproporcionado de danos ambientais e uma injusta distribuição da riqueza.
Como consumidores que somos temos que questionar os produtos que compramos e quem os fabrica acerca da sua origem e processo de fabrico. Quais são os verdadeiros resíduos resultantes da sua produção? Quais as condições de trabalho e o nível de vida dos trabalhadores? O que nos leva a esta sede de comprar? Será a necessidade?
O dia sem Compras pretende ser um dia, um primeiro dia que sirva de exemplo para uma mudança de consciência e até de estilo de vida, para um consumo mais responsável e racional. Um consumo focado nas verdadeiras necessidades e tendo em conta os aspectos sociais e ambientais inerentes à preservação da Terra e ao tratamento igual que todos os seres humanos merecem. " http://gaia.org.pt/semcompras/que.html

domingo, 18 de novembro de 2007

DIA SEM COMPRAS


Dia sem compras!

Sábado 24 de Novembro de 2007

Os Países ricos consomem 80% dos recursos planetários.

Organiza uma acção na tua cidade
A sociedade de consumo é cega,
Não existem crescimento nem desenvolvimento infinitos num planeta com recursos limitados.
Extraímos hoje em dia o dobro dos recursos fosseis admissível, e emitimos para a atmosfera o dobro de gás carbónico do que o planeta pode absorver.
A biodiversidade está a desaparecer.
O declínio da extracção do petróleo começou hoje.
A sociedade de consumo gera pilhagem e injustiça:
20% da população do planeta, os países ricos, consomem mais de 80% dos recursos.
O nosso nível de consumo tem um preço:
A escravidão económica de populações inteiras.
A sociedade de consumo é mortífera, reduz o ser humano a agente económico:
produtor-consumidor.
Nega as nossas dimensões políticas, culturais, filosóficas, poéticas ou espirituais que são a essência da nossa humanidade.
Devemos libertar-nos deste obscurantismo que consiste em acreditar na superpotência da tecnociência e a lhe descarregar todas as nossas responsabilidades. A ciência baseia-se na dúvida e não na fé.

A esperança está em reanimar a nossa consciência e que tal se manifeste nas nossas acções quotidianas. Reencontremos a nossa capacidade de autolimitação, individualmente com a simplicidade voluntária* e colectivamente graças ao decrescimento.
Façamos um gesto simbólico, desde hoje: por um dia, este sábado 24 de Novembro... Cessemos de comprar.
Anunciar à vossa volta. Dizer aos amigos. Implicar a vossa família. Simplificar a vossa vida.
Copiem o cartaz do dia sem compras, e coloquem-no no trabalho, em casa dos vizinhos, em todo o lado a vossa volta.
Festejemos o dia sem compras.
Organiza uma acção na vossa cidade/ vila/aldeia

* brevemente serão editados neste blog artigos sobre esta questão

http://www.casseursdepub.org/


quarta-feira, 7 de novembro de 2007

As vantagens do decrescimento

O crescimento pelo crescimento torna-se o objetivo primordial, senão o único da vida, na sociedade capitalista, o que acarreta uma degradação progressiva do ambiente e dos recursos globais. Vivemos, atualmente, às vésperas de catástrofes previsíveis

Serge Latouche

“Pois será uma satisfação perfeitamente positiva ingerir alimentos sadios, ter menos barulho, estar num meio ambiente equilibrado, não mais sofrer restrições de circulação etc.” Jacques Ellul1

Depois de algumas décadas de desperdício frenético, entramos na zona das perturbações climáticas, das guerras do petróleo, da guerra da água...

Em 14 de fevereiro de 2002, em Silver Spring, diante dos responsáveis norte-americanos pela meteorologia, George W. Bush declarava: “Por ser a chave do progresso do meio ambiente, por fornecer os recursos que permitem investir nas tecnologias limpas, o crescimento é a solução, não o problema2.” No fundo, essa posição “pró-crescimento” também é partilhada pela esquerda, inclusive por muitos contestadores da globalização que consideram que o crescimento também é a solução para os problemas sociais, criando empregos e propiciando uma distribuição mais igualitária.

Fabrice Nicolino, por exemplo, colunista de meio ambiente do semanário parisiense Politis, próximo do movimento que contesta a globalização, demitiu-se recentemente desse jornal após um conflito interno provocado pela... reforma das aposentadorias. Seria o debate que se seguiu revelador de um mal-estar na esquerda3? A razão do conflito, considera um leitor, é provavelmente “ousar ir contra uma espécie de pensamento único, comum a quase toda a classe política francesa, que afirma que nossa felicidade deve obrigatoriamente passar por mais crescimento, mais produtividade, mais poder aquisitivo e, portanto, mais consumo4.

Crescimento, o único objetivo da vida

Para conciliar as contradições entre o crescimento e o respeito pelo meio ambiente, os especialistas pensam encontrar a poção mágica na ecoeficiência

Depois de algumas décadas de desperdício frenético, parece que entramos na zona das tempestades – no sentido próprio e no figurado... As perturbações climáticas são acompanhadas pelas guerras do petróleo, que serão seguidas pela guerra da água5, mas também por possíveis pandemias, desaparecimento de espécies vegetais e animais essenciais como conseqüência de catástrofes biogenéticas previsíveis.

Nessas condições, a sociedade de crescimento não é sustentável, nem desejável. É urgente, portanto, que se pense numa sociedade de “decrescimento”, se possível serena e convivial.

A sociedade de crescimento pode ser definida como uma sociedade dominada por uma economia de crescimento, precisamente, e que tende a se deixar absorver por ela. O crescimento pelo crescimento torna-se assim o objetivo primordial, senão o único da vida. Uma tal sociedade não é sustentável, porque se choca com os limites da biosfera. Se tomarmos, como índice do “peso” para o meio ambiente de nosso modo de vida, “a marca” ecológica deste último em superfície terrestre necessária, obteremos resultados insustentáveis, tanto do ponto de vista da eqüidade nos direitos de retirada da natureza, quanto do ponto de vista da capacidade de regeneração da biosfera. Um cidadão dos Estados Unidos consome em média 9,6 hectares, um canadense 7,2, um europeu médio 4,5. Estamos, portanto, muito distantes da igualdade planetária e mais ainda de um modo de civilização sustentável, que precisaria se limitar a 1,4 hectare, admitindo-se que a população atual permaneça estável7.

A fé na ciência dos economistas

Se acompanharmos o raciocínio de Ivan Illich, o desaparecimento programado da sociedade de crescimento não é necessariamente uma má notícia

Para conciliar os dois imperativos contraditórios do crescimento e do respeito pelo meio ambiente, os especialistas pensam encontrar a poção mágica na ecoeficiência, peça central e, a bem dizer, a única base séria do “desenvolvimento sustentável”. Trata-se de reduzir progressivamente o impacto ecológico e a intensidade da retirada dos recursos naturais até atingir um nível compatível com a capacidade reconhecida de carga do planeta7.

É incontestável que a eficiência ecológica tem aumentado de maneira notável, mas, ao mesmo tempo, a perpetuação do crescimento desenfreado acarreta uma degradação global. As baixas de impactos e de poluição por unidade de mercadoria produzida são sistematicamente invalidadas pela multiplicação do número de unidades vendidas (fenômeno ao qual se deu o nome de “efeito retorno”). A “nova economia” é, na verdade, relativamente imaterial ou menos material, mas ela mais complementa do que substitui a anterior. No final das contas, todos os indicadores demonstram que as retiradas continuam a crescer8.

Enfim, é preciso a fé inabalável dos economistas ortodoxos para pensar que a ciência do futuro resolverá todos os problemas, e que é concebível a substituição ilimitada da natureza pelo artifício.

Elevação do nível de vida é ilusória

A sociedade de crescimento produz um aumento das desigualdades e das injustiças, cria um bem-estar ilusório e não promove uma sociedade convivial

Se acompanharmos o raciocínio de Ivan Illich, o desaparecimento programado da sociedade de crescimento não é necessariamente uma má notícia. “A boa notícia é que não é primeiramente para evitar os efeitos secundários negativos de uma coisa que seria boa em si que precisamos renunciar a nosso modo de vida – como se tivéssemos que optar entre o prazer de um alimento delicioso e os riscos aferentes. Não, é que o alimento é intrinsecamente ruim, e que seríamos bem mais felizes ao evitá-lo. Viver de outra maneira para viver melhor9.”

A sociedade de crescimento não é desejável, pelo menos por três razões: produz um aumento das desigualdades e das injustiças, cria um bem-estar amplamente ilusório, e não promove, para os próprios “favorecidos”, uma sociedade convivial, mas uma anti-sociedade doente devido à sua riqueza.

A elevação do nível de vida de que pensa se beneficiar a maioria dos cidadãos do hemisfério Norte é cada vez mais ilusória. É claro que gastam mais, em termos de compra de bens e serviços, mas esquecem de deduzir a elevação superior dos custos. Esta última assume formas diversas, mercantis e não mercantis: degradação da qualidade de vida – não quantificada, mas sofrida (ar, água, meio ambiente) –, despesas de “compensação” e de reparação (medicamentos, transportes, lazer) que se tornaram necessárias na vida moderna, elevação dos preços dos artigos escassos (água engarrafada, energia, espaços verdes...).

Decrescimento não é crescimento negativo

A partir da década de 70, o índice de progresso real estagnou, e até regridiu, para os Estados Unidos, enquanto o do PIB não pára de aumentar

Herman Daly estabeleceu um índice sintético, o Genuine Progress Indicator (Indicador de Progresso Autêntico - IPA) que corrige, por exemplo, o Produto Interno Bruto (PIB) das perdas causadas pela poluição e pela degradação do meio ambiente. A partir da década de 70, o índice de progresso real estagnou, e até regridiu, para os Estados Unidos, enquanto o do PIB não pára de aumentar10. É lamentável que, na França, ninguém ainda se tenha encarregado de fazer esses cálculos. Temos todos os motivos para pensar que o resultado seria comparável. Seria o mesmo que dizer que, nessas condições, o crescimento é um mito, até no interior do imaginário da economia de bem-estar, muito mais na sociedade de consumo! Pois o que cresce de um lado, decresce muito mais do outro.

Infelizmente tudo isso não basta para nos levar a abandonar o bólido que nos conduz diretamente para o impasse, e a embarcar na direção oposta.

Compreendamos bem. O decrescimento é uma necessidade: não é, de saída, um ideal, nem o único objetivo de uma sociedade de pós-desenvolvimento ou de um outro mundo possível. Mas façamos das tripas coração, e admitamos, para as sociedades do hemisfério Norte, o decrescimento como um objetivo do qual se pode tirar proveito. A palavra de ordem de decrescimento tem sobretudo como finalidade marcar nitidamente o abandono do objetivo insensato do crescimento pelo crescimento. Em particular, o decrescimento não é o crescimento negativo, expressão contraditória e absurda que traduz bem a dominação do imaginário do crescimento. Isso quereria dizer ao pé da letra: “avançar recuando”. A dificuldade em que nos encontramos para traduzir “decrescimento” em inglês é muito reveladora dessa dominação mental do economês, e simétrica, de alguma forma, da impossibilidade de traduzir crescimento ou desenvolvimento (mas também, naturalmente, decrescimento...) nas línguas africanas.

O impacto sobre o meio ambiente

A dificuldade em traduzir “decrescimento” para o inglês é simétrica à impossibilidade de traduzir desenvolvimento nas línguas africanas

Sabe-se que a simples desaceleração do crescimento mergulha nossas sociedades no desespero devido ao desemprego e ao abandono dos programas sociais, culturais e ambientais que garantem um mínimo de qualidade de vida. Imagine-se que catástrofe seria uma taxa de crescimento negativo! Da mesma forma que não há nada pior do que uma sociedade trabalhista sem trabalho, não há nada pior do que uma sociedade de crescimento sem crescimento. É o que condena a esquerda institucional ao social-liberalismo, por não ousar fazer a descolonização do imaginário. O decrescimento, portanto, só é concebível numa “sociedade de decrescimento”. É conveniente determinar bem seus contornos.

Uma política de decrescimento poderia consistir inicialmente em reduzir, e até suprimir, o peso sobre o meio ambiente das cargas que não trazem benefício algum. O questionamento do volume considerável dos deslocamentos de homens e de mercadorias através do planeta com o impacto negativo correspondente (portanto, uma “relocalização” da economia), o questionamento do volume não menos considerável da publicidade exagerada e freqüentemente nefasta e, enfim, o questionamento da obsolescência acelerada dos produtos e dos aparelhos descartáveis, sem outra justificativa a não ser fazer com que gire cada vez mais depressa a megamáquina infernal, são reservas representativas de decrescimento no consumo material.

“Consumo e estilos de vida”

Entendido desta forma, o decrescimento não significa necessariamente uma regressão do bem-estar. Em 1848, para Karl Marx, havia chegado o tempo da revolução social e o sistema estava pronto para a passagem à sociedade comunista de abundância. A inacreditável superprodução material de tecidos de algodão e de bens manufaturados parecia-lhe mais do que suficiente, uma vez abolido o monopólio do capital, para alimentar, alojar e vestir corretamente a população (pelo menos a ocidental). E, no entanto, a “riqueza” material era infinitamente menor do que hoje. Não havia carros, nem aviões, nem plástico, nem máquinas de lavar, nem geladeiras, nem computadores, nem as biotecnologias, nem também os pesticidas, os adubos químicos ou a energia atômica! Apesar das alterações inauditas da industrialização, as necessidades ainda eram modestas e era possível satisfazê-las. A felicidade, quanto à sua base material, parecia ao alcance da mão.

Para conceber a sociedade de decrescimento deve-se questionar a dominação da economia sobre a vida na teoria e na prática – e sobretudo em nossas cabeças

Para conceber a sociedade de decrescimento sereno e chegar a ela, é preciso literalmente sair da economia. Isto significa questionar a dominação da economia sobre o resto da vida na teoria e na prática, mas sobretudo em nossas cabeças. A redução feroz do tempo de trabalho imposto para garantir a todos um emprego satisfatório é uma condição prévia. Em 1981, Jacques Ellul, um dos primeiros pensadores de uma sociedade de decrescimento, já fixava como objetivo para o trabalho, não mais do que duas horas por dia11. Inspirando-se na carta de princípios “Consumo e estilos de vida”, proposta ao Fórum das Organização Não Governamentais (ONG) durante a reunião de 1992 no Rio, é possível sintetizar tudo isso num programa em seis “R”: Reavaliar, Reestruturar, Redistribuir, Reduzir, Reutilizar, Reciclar. Estes seis objetivos interdependentes formam um círculo virtuoso de decrescimento sereno, convivial e sustentável. Poder-se-ia até aumentar a lista dos “R” com reeducar, reconverter, redefinir, remodelar, repensar etc., e, é claro, relocalizar, mas todos esses “R” estão mais ou menos incluídos nos seis primeiros.

A descolonização do imaginário

Vê-se imediatamente quais são os valores que devem ser privilegiados e que deveriam ser prioritários em relação aos valores dominantes atuais. O altruísmo deveria preceder o egoísmo, a cooperação, preceder a competição desenfreada, o prazer do lazer, preceder a obsessão pelo trabalho, a importância da vida social, preceder o consumo ilimitado, o gosto pela bela obra, preceder a eficiência produtivista, o razoável, preceder o racional etc. O problema é que os valores atuais são sistêmicos. Isso significa que são suscitados e estimulados pelo sistema e que, em contrapartida, contribuem para reforçá-lo. É claro que a escolha de uma ética pessoal diferente, como a simplicidade voluntária, pode mudar a direção da tendência e solapar as bases imaginárias do sistema, mas sem um questionamento radical deste último, a mudança corre o risco de ser limitada.

Dirão que é um programa amplo e utópico? Será que a transição é possível sem uma revolução violenta – ou, mais precisamente, poderá a necessária revolução mental ser feita sem violência social? A limitação drástica dos ataques ao meio ambiente e, portanto, da produção de valores de troca incorporados em suportes materiais físicos não implica, necessariamente, numa limitação da produção de valores de uso através de produtos imateriais. Estes, pelo menos em parte, podem conservar uma forma mercantil.

No entanto, se o mercado e o lucro persistirem como incentivos, não podem mais ser os fundamentos do sistema. Podem ser concebidas medidas progressivas constituindo etapas, mas é impossível dizer se serão passivamente aceitas pelos “privilegiados”, que seriam suas vítimas, nem pelas atuais vítimas do sistema, que são mental e fisicamente “drogados” por ele. Entretanto, a preocupante onda de calor de 2003 no Sudoeste da Europa agiu muito mais do que todos os nossos argumentos no sentido de convencer sobre a necessidade de se orientar para uma sociedade de decrescimento. Dessa forma, para realizar a necessária descolonização do imaginário, pode-se, no futuro, contar muito amplamente com a pedagogia das catástrofes.

Serge Latouche

(Trad.: Regina Salgado Campos)

1 - Entrevista com Jacques Ellul, Patrick Chastenet, La table ronde, Paris, 1994, p. 342.
2 - Le Monde, 16 de fevereiro de 2002.
3 - Fabrice Nicolino, "Retraite ou déroute?", Politis, 8 de maio de 2003. A crise foi agudizada por fórmulas contestáveis de Fabrice Nicolino qualificando o movimento social de "festival de gritaria corporativista", ou invocando "o senhor que quer continuar a se aposentar aos 50 anos - muito bem!, ele dirige trens, é a mina, é Germinal!".
4 - Politis, 12 de junho de 2003.
5 - Vandana Shiva, La guerre de l’eau. Parangon, 2003.
6 - Gianfranco Bologna (org.), Italia capace di futuro. WWF-EMI, Bologne, 2001, pp. 86-88.
7 - The Business case for sustanable developpement. Documento do World Business Counsil for Sustanable Developpement para Johannesburgo.
8 - Mauro Bonaiuti, "Nicholas Georgescu-Roegen. Bioeconomia. Verso un’altra economia ecologicamente e socialmente sostenible". Bollati Boringhieri, Torino, 2003. Especialmente, pp. 38-40.
9 - Jean-Pierre Dupuy, “ Ivan Illich ou la bonne nouvelle ”, Le Monde, 27 de dezembro de 2002.
10 - C. Cobb, T. Halstead, J. Rowe, “ The Genuine Progress Indicator: Summary of Data and methodology, Redefining Progress ”, 1995 e dos mesmos, “ If the GDP is Up, Why is America Down ? ”, in Athlantic Monthly, n° 276, San Francisco, outubro de 1995.
11 - Ler “Changer de révolution”, citado por Jean-Luc Porquet in Ellul L’homme qui avait (presque) tout prévu, Le cherche midi, 2003, pp. 212-213.

Monde diplomatique (brasil)- Edições mensais, Novembro 2003

http://diplo.uol.com.br/2003-11,a797

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O pico do petróleo foi em 2006

Novo estudo mostra que o declínio na produção de petróleo pode trazer riscos de guerra e incerteza.

  • A produção de petróleo atingiu o seu pico em 2006 e cairá todos os anos

  • Um declínio na produção de gás, carvão e urânio está igualmente previsto

A produção mundial de petróleo já atingiu o seu pico e cairá para metade em 2030, de acordo com um relatório que alerta igualmente que esta escassez de combustíveis fosseis poderá iniciar guerras e rupturas sociais. Um grupo alemão de monitorização da energia (EWG) divulgou a 22 de Outubro, 2007, um estudo que mostra que a produção global de petróleo atingiu o seu pico em 2006 - bastante mais cedo do que a grande parte dos peritos previram. O relatório, que prevê uma descida percentual na produção por ano, chega após os preços do petróleo ter atingido novos recordes quase todos os dias na semana precedente, atingindo nessa sexta feira mais de 90$ o barril.
“Em breve o mundo não poderá produzir todo o petróleo que necessita, pois a procura está a aumentar enquanto a oferta esta a diminuir. Este é um enorme problema para a economia mundial.” Disse Hans-Josef Fell, fundador do EWG. O autor do relatório, Joerg Schindler, disse que a descoberta mais alarmante foi o declínio da produção de petróleo se produzir por saltos depois do pico, que já ultrapassámos segundo o autor. Estes resultados contrastam com as projecções da agência internacional da energia, que diz que existe poucas razões para nos preocuparmos com as reservas de petróleo neste momento. No entanto, o estudo do EWG baseia-se sobretudo na produção actual do petróleo, dados que, segundo o relatório, são mais fiáveis que as estimativas das reservas subterrâneas. O grupo afirma que as estimativas oficiais da indústria são de 1.255 giga barris – equivalente a 42 anos de abastecimento à taxa de consumo actual. Mas pensa-se que afinal estas são de apenas 2 terços desse número.A produção global actualmente é de 81 milhões de barris por dia – os peritos da EWG estimam que caia para 39 milhões em 2030. Prevê também fortes descidas na produção de gás, carvão e urânio pois estão a esgotar-se, produção britânica atingiu o seu pico em 1999 e já caiu para metade. O relatório apresenta uma visão sombria do futuro a não ser que uma abordagem radicalmente diferente seja adoptada. Este cita o economista britânico David Fleming: “A escassez antecipada do abastecimento poderá facilmente levar a cenários perturbantes de massas em fúria como as da Birmânia este mês. Para o governo, a indústria e para o grande público, apenas passar atabalhoadamente pela situação já não é uma opção pois esta situação pode sair completamente fora de controlo e tornar-se na total liquefacção da sociedade.”Schnidler chega à mesma conclusão: “O mundo está no início de uma mudança estrutural do seu sistema económico. Esta mudança será despontada pelo declínio do abastecimento de combustíveis fosseis e irá influenciar todos os aspectos da nossa vida quotidiana.”.

Jeremy Leggett, um dos ambientalistas britânicos mais proeminentes e autor de Half Gone, um livro sobre o “pico do petróleo” – definido como o momento em que a produção máxima é atingida, afirmou que tanto o governo britânico como a indústria da energia estão em “negação institucionalizada” e que medidas activas já deviam ter sido tomadas.
“Quando eu era conselheiro do governo, propus que fosse constituída uma “força de acção” para ver quão rapidamente o Reino Unido conseguia usar as tecnologias das energias alternativas in extremis, como o pico,” afirmou. “Outros conselheiros da indústria apoiaram essa ideia. Mas o governo prefere adormecer o assunto sem sequer fazer um estudo de contingência. Para todos os que sabemos que um pico do petróleo prematuro apresenta um perigo presente é impossível compreender uma tal complacência.” Fell afirmou que o mundo tinha que se orientar rapidamente para o emprego massivo de energias renováveis e para um aumento drástico da eficiência energética, ambos como forma de combater as mudanças climáticas e de forma a assegurar que as luzem fiquem acesas. “Se fizermos tudo isto podemos não ter uma crise energética.”

Ele acusa o governo britânico de hipocrisia. “Tony Blair e Gordon Brown têm falado muito sobre as mudanças climáticas mas não puseram em prática nenhuma politica decente de aumento do uso das renováveis (energias),” afirmou. “é por isso que andam a falar do nuclear e da captura e do armazenamento de carvão.”

Ontem, um relações públicas do departamento de negócios e empresas disse:

“Nos próximos anos a produção e capacidade de refinamento global de petróleo vai aumentar mais rapidamente que a procura. Os recursos petrolíferos mundiais são suficientes para manter o crescimento económico para o futuro próximo. O desafio vai ser trazer esses recursos para o mercado de forma a assegurar a sustentabilidade, a tempo, de confiança e barato das fontes de energia.”

A politica germânica, que garante pagamentos acima dos preços do mercado as energias renováveis, está a ser adoptada em muitos países, mas não na Grã-Bretanha, onde as energias renováveis geram cerca de 4% da electricidade do país e 2% da energia total necessária.

Ashley Seager

Segunda feira, 22 de Outubro, 2007
The Guardian

http://www.guardian.co.uk/oil/story/0,,2196435,00.html

Mais informações sobre o pico do petróleo - http://peakoilportuguese.blogspot.com/

O Decrescimento sustentável (parte II)


Um exemplo : a energia

Mais de três quartos dos recursos energéticos que utilizamos hoje em dia são de origem fóssil. Estes são o gás, o petróleo, o urânio, o carvão. São recursos não renováveis, ou mais exactamente com uma taxa de renovação extremamente baixa. De qualquer forma, sem qualquer relação com uso actual. A economia sã impõe-nos que paremos esta pilhagem. Devemos reservar estes recursos preciosos para usos vitais. Ainda por cima, a combustão destes recursos fosseis desagrega a atmosfera (efeito de estufa e outras poluições). Quanto ao nuclear, além dos perigos nas instalações, produz detritos com vida infinita à escala humana (plutónio 239, semi-vida 24 400 anos, Iodo 129, semi-vida 16 milhões de anos). O princípio da responsabilidade, que define a idade adulta, diz-nos que não devemos desenvolver uma técnica que não controlamos. Não devemos deixar aos nossos descendentes um planeta envenenado até ao final dos tempos.
Por outro lado, temos direito as energias «de rendimento», ou seja, a solar, a eólica, e, em parte, a biomassa (madeira) e um pouco da hidráulica. As duas últimas devem repartir-se com outros usos que não apenas a produção de energia.
Este objectivo só é atingível graças a uma redução drástica do nosso consumo energético. Numa economia sã, a energia fóssil desaparece. Será reservada a usos de sobrevivência como os medicais. Os transportes aéreos, os veículos a motor de propulsão estarão condenados a desaparecer. Eles devem ser substituídos pelos barcos à vela, a bicicleta, o comboio, a tracção animal (apenas quando a alimentação dos animais for sustentável). Bem entendido, toda a nossa civilização será transformada por esta mudança na relação com a energia. Isto significa o fim das grandes superfícies de comércio com a valorização dos comércios locais e dos mercados, o fim dos produtos artesanais importados ao desbarato dando lugar aos objectos fabricados localmente, o fim das embalagens de deitar fora para passarmos a usar recipientes reutilizáveis, o fim da agricultura intensiva motorizada valorizando assim a agricultura camponesa extensiva. O frigorífico será substituído por um quarto frio, a viagem as Antilhas por voltas de bicicleta no Alentejo, o aspirador pela vassoura, a alimentação carnívora por uma quase vegetariana, etc. Pelo menos durante o período de reorganização da nossa sociedade, a perda da energia fóssil levará a m aumento significativo do trabalho nos países ocidentais, e mesmo considerando uma redução grande do consumo. Não só deixaremos de ter a energia fóssil, mas também a mão-de-obra barata dos países de terceiro mundo não estará disponível. Nós teremos de recorrer à nossa energia muscular

Um modelo económico alternativo (1)

À escala do estado, uma economia sã gerada democraticamente não poderá ser outra que o fruto de uma procura de equilíbrio constante entre as escolhas colectivas e as individuais. Ela necessita de um controlo democrático da economia pelo político e pelas escolhas de consumo dos indivíduos. Uma economia de mercado controlada pelo político e pelo consumidor. Um não podendo se esquecer do outro. Sucintamente, podemos imaginar um modelo económico que se articula a 3 níveis:
• O primeiro seria uma economia de mercado controlada que evite todos os fenómenos de concentração. Seria, por exemplo, o fim do sistema de franchising. Todos os artesãos ou comerciantes seriam proprietários das suas ferramentas de trabalho e não poderiam possuir mais de que isso. Este seriam os únicos a decidir os actos da sua actividade, em relação directa com a sua clientela. Esta economia de pequenas entidades, para além do seu carácter humanista, tem o mérito de não criar publicidade, o que é uma condição sine qua non para a realização do decrescimento sustentável.
• O segundo nível, a produção de equipamento necessitando um investimento, existiria um capital misto privado e público, controlado pelos políticos.
• Por fim, o terceiro nível. Seriam os serviços públicos de base, não privatizáveis (acesso à água, à energia disponível, à educação e à cultura, aos transportes públicos, à saúde, à segurança).
Nós teremos de recorrer à nossa energia muscular.

A inserção de um tal modelo levará a um comércio justo para todos. Esta regra simples levará ao fim da escravidão do neocolonialismo.

Um desafio aos “ricos”

Ao anunciar as medidas a tomar para entrarmos em decrescimento sustentável, a maioria dos cidadãos ficará incrédula. A realidade é demasiado cruel para ser admitida, pelo menos para a maior parte da opinião pública. Ela suscita, na maioria dos casos uma reacção de animosidade. É difícil questionar-se quando se foi criado pelo biberão mediático publicitário da sociedade de consumo. Um cocktail estranhamente parecido com o Soma, droga euforizante descrita por Aldous Huxley no “Admirável mundo novo” (Brave New World, 1932, que anunciava um poder psicobiológico!). O mundo intelectual, demasiado ocupado a resolver algumas querelas bizantinas ou embebido pela ciência, terá também dificuldade em admitir que passou ao lado de um desafio da civilização tão importante. É difícil para os ocidentais imaginar um outro modo de vida. Pior, não podemos esquecer que o problema não se põe da mesma forma para a imensa maioria dos habitantes do globo. 80% dos humanos vivem sem automóvel, sem frigorífico ou ainda, sem telefone. 94% dos humano nunca apanharam o avião. Devemos, então, sair da nossa posição de habitante dos países ricos para percepcionar o mundo à escala planetária e imaginar a humanidade como uma e indivisível. Sem isso, seremos levados a pensar como Marie-Antoinette na véspera da revolução francesa, incapaz de imaginar deslocar-se sem a sua cadeira transportada por criados e oferecendo brioches aos que não tinham pão.

Fazer dieta

Cerca de um terço da população americana é obesa. Os americanos lançaram-se na pesquisa do gene da obesidade para resolver este problema de forma científica. A boa solução é certamente adoptar uma dieta mais saudável. Este comportamento é perfeitamente sintomático da nossa civilização. Antes de pôr em causa o nosso modo de vida, procuramos uma fuga na ciência, através de soluções técnicas, parar resolver os nossos problemas culturais. Ainda por cima esta fuga não faz mais que acelerar o movimento destrutivo. De facto, mesmo que o decrescimento nos possa parecer impossível, a barreira está sobretudo nas nossas cabeças que em dificuldades reais de o pôr em prática. Sair da opinião de um condicionamento ideológico fundado na crença na ciência, no novo, no progresso, no consumo, no crescimento condiciona esta evolução. A prioridade em empenar-se à escala individual na simplicidade voluntária. É a mudança em nós mesmos que transformará o mundo.

Definir um conceito

Se formos à definição do “desenvolvimento sustentável”, quer dizer: «ao que permite responder às necessidades das gerações actuais, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de responder às suas necessidades», então o termo apropriado para os países ricos é o “decrescimento sustentável”.

Bruno Clémentin e Vincent Cheynet

(La decroissance soutenable - http://www.decroissance.org/index.php?chemin=textes/decroisoute)

(1) Nota do tradutor/ editor do blog- existem diversos modelos económicos alternativos propostos dentro da ideologia do decrescimento, não estando o editor deste blog inteiramente de acordo com o aqui proposto. Outros exemlos serão publicados futuramente.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

O Decrescimento sustentável (parte I)

A contestação do crescimento económico é um fundamento da ecologia política. Não é possível um crescimento infinito num planeta finito. Muito incómoda, pois entra em ruptura radical com o nosso desenvolvimento actual, esta crítica foi rapidamente abandonada por conceitos mais suaves, como o “desenvolvimento sustentável “. No entanto, racionalmente, não existem outra vias pelas quais os países ricos (20%) da população planetária e 80% do consumo dos recursos naturais) que de reduzir a sua produção e o seu consumo de forma a “decrescer”.

Não é preciso ser economista para perceber que um indivíduo, ou uma colectividade, que retira a maior parte do seus recursos do seu capital, e não dos seus rendimentos, está destinado à falência.Tal é, no entanto, o caso das sociedades ocidentais, porque elas esgotam os recursos naturais do planeta, um património comum, sem ter em conta o tempo necessário ao seu renovamento. Não satisfeito com a pilhagem do capital, o nosso modelo económico, baseado no crescimento, induz a um aumento constante da exploração dos recursos. Os economistas ultra liberais como os neo-marxistas eliminaram dos seus raciocínios o paramêtro «natureza», pois era demasiado incómodo. Privado do seu dado fundamental, o nosso modelo económico e social encontra-se assim desligado da sua realidade fisica e funciona no virtual. Os economistas vivem num mundo religioso do secúlo XIX onde a natureza era considerada como inesgotável. Negar a realidade pelo lucro de uma construção intelectual é próprio de uma ideologia. Nós podemos, então, considerar que a económia actual tem em primeiro lugar uma natureza ideológica. A realidade é mais complexa, pois o sistema económico está sobretudo abandonado a si próprio, sem controlo político.

O objetivo de uma económia sã

Nós chamamos económia sã a um modelo económico que, no mínimo, não toca no capital natural. O ideal seria reconstituir o capital natural já destruido. Mas, o primeiro objectivo, de uma humanidade que vive dos seus rendimentos naturais, constitui já um desafio extraordinário. Nós podemos mesmo nos questionar se esse objectivo é ainda realisável e se o ponto de não retorno não foi já atingido. De qualquer forma, este objectivo é o unico imaginável para a humanidade, tanto de um ponto de vista moral como cientifíco.

Moral, pois é nosso dever, da responsabilidade de cada um e da humanidade, preservar o ambiente e de o restituir aos seus descendentes, no mínimo, no estado em que lhe foi atribuído.

Cientifíco, pois imaginar que a humanidade possui meios de colonizar outros planetas é puro delírio. As distâncias no espaço estão fora do alcance das nossas tecnologias. Para alcançar pequenos saltos no espaço, nós gastamos inutilmente quantidades gigantescas de recursos preciosos.

Para mais, de forma puramente teórica, se conseguissemos trazer sobre a Terra e de forma rentável um recurso energético extraterrestre, isto apenas teria como consequência uma nova degradação ecológica. Os cientistas estimam que o perigo é maior do lado do “excesso” de recursos que do lado do risco de os esgotar. O perigo principal está na incapacidade do ecossistema global de absorver todos os poluentes que nós geramos. A chegada de um novo recurso energético não fará mais que amplificar as mudanças climáticas.

Não mexer, de todo, no nosso capital natural parece dificil, não sendo que para produzir objectos de primeira necessidade como uma panela ou uma agulha. Mas, nós já exploramos e transformamos uma quantidade considerável de minerais. A massa dos objectos produzidos constitui já um potencial enorme de matéria a recliclar.

O objectivo de uma economia sã pode-nos parecer um horizonte utópico. De facto, temos no máximo 50 anos para decidir se queremos salvaguardar o ecossistema. A biosfera não negocia atrasos suplementares. Resta-nos, ao ritmo de consumo actual, 41 anos de reservas de petróleo, 70 anos de gaz, 55 anos de urânio. Mesmo que estes números possam ser contestados, nós dirigimo-nos para o fim de grande parte dos recursos planetários rapidamente, se não mudarmos radicalmente de rumo. Contráriamente ao século XX, consumimos mais recursos do que descobrimos novos. Ainda mais, prevê-se que, daqui a 20 anos, haja a duplicação do parque automóvel actual tal como o consumo energético mundial. Por fim, mais nos aproximamos do fim dos reursos, mais estes são difíceis de extrair. Resta dizer que o maior perigo parece ser, hoje em dia, mais os danos causados ao clima que o esgotamento dos recursos naturais.

O teórico do decrescimento

O economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen é o pai do decrescimento. Nicholas Georgescu-Roegen fez a distinção entre a “alta entropia”, energia não disponível à humanidade, da “baixa entropia”, energia disponível. Ele demonstra simplesmente que cada vez que nós retiramos recursos ao capital natural, como as energias de stock, nós hipotecamos as chances de sobrevivências dos nossos descendentes. «Cada vez que produzimos um automovel, fazemo-lo à custa de uma redução do número de vidas no futuro». Ele põe em evidência os impasses do “crescimento zero” ou do “estado estacionário” que prometem os ecologistas. De facto, mesmo que estabilizemos a economia, continuaremos a esgotar o nosso capital.

O decresimento sustentável

Todo o problema consiste em passar de um modelo económico e social fundado na expansão permanente a uma civilização «sóbria» em que o modelo económico integra os limites fisicos do planeta. Para passar da nossa civilização a uma economia sã, os países ricos devem empenhar-se na redução drástrica da sua produção e do seu consumo. Em termos económicos isto significa entrar no decrescimento. O problema é que as civilizações modernas, para não gerar conflitos sociais, têm necessidade do crescimento perpétuo. O fundador da revista The Ecologist, um ecologista milionário e conservador Edwards Goldsmith avança que ao reduzirmos de 4% por ano durante 30 anos a produção e o consumo, teremos uma chance de escapar à crise climática, «com um pouco de vontade politica». Fácil de dizer em papel, seja ele reciclado ou branqueado sem cloro! A realidade sociológica é outra. Mesmo os ricos dos países ricos aspiram a consumir cada vez mais. E não será «um minímo de vontade politica» que será necessário se um grupo desejasse conduzir tal politica a partir de cima, mas sim um poder totalitário. Este terá todas os meios para ir contra a sede sem fim de consumo produzida por anos sem fim de publicidade. A menos que entremos numa ecónomia de guerra, a chamada à responsabilidade dos indivíduos é a prioridade. Os mecanismos económicos conduzidos pela politica terão um papel fundamental, mas serão contudo secundários. A mudança deverá portanto operar-se “por baixo”, para nos mantermos na esfera da democracia.

Edward Goldsmith afirma também que apenas uma crise económica mundial poderá retardar a crise ecológica global se nada fôr feito. A história demostra-nos que as crises raramente tiveram virtudes pedagógicas e que elas geram frequentemente conflitos armados. O humano em situações de perigo priviligia os seus instintos de sobrevivência, em deterimeno da sociedade. A crise de 1929 levou ao poder Hitler, os nazis, os fascistas, os franquistas na Europa e os ultra nacionalistas no Japão. As crises chamam os poderes fortes e a todos os inconvenientes que eles geram. O objetivo consiste, pelo contrário, em evitar a regulação do caos. É por isso que este decrescimento deverá ser sustentável. Quer dizer que não deverá gerar crises sociais que ponham em causa a democracia e o humanismo. De nada serve preservar o ecossistema global se o preço é para a humanidade o afundar do humano. Mas quanto mais tempo esperarmos para nos empenharmos no “decrescimento sustentável”, mais rude será o choque da prevenção do fim dos recursos, e maior será o risco de um regime eco-totalitário ou de entrarmos na barbárie.

Um exemplo de decrescimento caótico é a Russia. Este país reduziu 35% as emissões de gaz a efeito de estufa desde a queda do muro de Berlim. A Russia desindustrializa-se, ela passou de uma economia de superpotência a uma, em grande parte, de sobrevivência. Em termos puramente ecológicos, é uma proeza. Em termos sociais está bastante longe de ser o caso. Uma coisa parece certa: para atingir a “economia sã”, o decrescimento dos países ricos terá de ser durável.

Bruno Clémentin e Vincent Cheynet

(La decroissance soutenable - http://www.decroissance.org/index.php?chemin=textes/decroisoute)

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

O efeito hipnótico da torradeira
(ou tudo o que está por detrás de uma torradeira eléctrica)

Examinemos uma torradeira. Uma simples pressão sobre a alavanca e, sem perder tempo, as nossas torradas estão douradas e crocantes. Um instrumento maravilhoso! Ao que parece... Pois apenas uma vista de olhos ao fio e á tomada revela que se trata, ao mesmo tempo, de um electrodoméstico fabricado por uma grande companhia, e de um sistema mundial: a corrente eléctrica, que chega apartir de uma rede de cabos e de linhas de alta tensão que são alimentadas por centrais eléctricas, as quais estão dependentes da pressão hidráulica, de pipe-lines ou da carga de petroleiros que, por seu lado, pressupõem barragens ou plataformas petrolíferas. Toda esta rede garante uma distibuição eficaz e rápida, do tipo “express” á disposição de todas as casas, por via de legiões de engenheiros, de planificadores e de agentes financeiros dependentes, por sua vez, de administrações, de universidades e da industria (por vezes mesmo dos militares). A torradeira, como o automóvel, o computador ou a televisão, dependem inteiramente da existência de vastos sistemas de organização e de produção, ligados uns aos outros.

Uma pessoa qualquer, ao ligar um interruptor, não se serve apenas de um instrumento, liga-se a uma tomada do sistema. Entre a utilisação de técnicas simples e de instrumentos modernos encontra-se a transformação de toda uma sociedade. Apesar da sua aparente inocência, as aquisições modernas não funcionam se uma série de instituições da sociedade moderna não funcionarem como previsto, da qual todos os imprevistos foram purgados até aos limites da espontaneidade. Afinal, não falariamos da torradeira se não estivessemos seguros que, ao longo de todo este sistema, tudo o que é necessário não chegasse ao sitio certo, ao momento preciso, com a qualidade esperada. A coordenação, a programação, o entretém e a planificação, e não apenas a energia, são a vida destes aparelhos tão dóceis. Eles dão-nos a impressão de serem servis e de reduzir o trabalho, mas exigem, por outro lado, a contribuição de numerosas pessoas em sítios muito distantes. Os aparelhos funcionam na medida em que as pessoas se transformam em instrumentos.

A distância entre o efeito e a causa, esta invencibilidade do sistema que produz prodigios técnicos, explica o efeito hipnótico da tecnologia sobre os espíritos. A atracção da civilização tecnológica baseia-se muitas vezes nesta ilusão de óptica!

Les renseignements genereux

(Les illusions du progrès technique – pode-se descarregar em : http://www.les-renseignements-genereux.org/brochures/?id=181)

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

AMAP (Associações de apoio à agricultura camponesa)

Produzir e consumir localmente
As AMAP, (Associations pour le Maintien d’une Agriculture Paysanne) Associações de apoio à agricultura camponesa, são partidárias da proximidade entre um grupo de consumidores e uma quinta, frequêntemente situadas numa zona urbana periférica. Esta proximidade desenvolve-se a partir da venda directa dos produtos .Elas estão adaptadas a todos os tipos de produção, e particularmente à de frutos e legumes.

Funcionamento
Nas AMAP, os consumidores escolhem comos agricultores os legumes a cultivar, o preço da subscrição, e as modalidades de distribuição dos produtos (frequência, sitio, horário...). Cada consumidor compra em adiantado a sua parte da colheita, que recebe mais tarde durante a época de produção e segundo as modalidades definidas.

Interesse
Graças a estas responsabilidades recíprocas cada AMAP tem numerosas vantagens:

  • Uma alimentação sâ e que preserva o ambiente: os produtos são frescos, da época, e diversificados (nomeadamente graças à redescoberta de variedades antigas e locais), cultivados sem produtos químicos de síntese, e disponíveis à medida que amadurecem. A proximidade à quinta (no maximo 100 km) minimiza os transportes e o uso de embalagens.
  • Uma económia local eficiênte, social e solidária: os consumidores partilham com o produtor os riscos e os benefícios naturalmente ligados à actividade agrícola. A totalidade da produção é valorizada (nomeadamente sem calibragem nem normas estéticas). O preço da susbcrição é fixado em função dos custos reais de produção e não pelas leis do mercado. A compra em adianado garante ao agricultor um rendimento. As AMAP permitem assim o manter do emprego agricola, e mesmo a implantação de jovens agricultores com menores investimentos e facilitam a passagem dos modos de produção convencional para modos de produção agro-ecológicos. Para os consumidores em dificuldades económicas podem ser estudados arranjos caso a caso.
  • Das ligações sociais, á educação do gosto e do ambiente: o agricultor está presente a cada distribuição da colheita para nos fazer descobrir os seus produtos e o seu oficío. Animações são tambem organizadas na quinta: certas AMAP organizam oficinas de culinária ou de jardinagem. Estas ligações que se criam com a quinta geram uma relação de confiança.
  • Comércio justo local: o preço da subscrição é definido conjuntamente e em transparência entre o agricultor e os consumidores. A compra antecipada garante um rendimento certo ao agricultor e permite-lhe comprar os materais de trabalho sem se endividar.

Em termos de impacto, as AMAP têm actividades ecologicamente sâs, económicamente viáveis, e socialmente justas. Por isso elas participam no desenvolvimento sustentável da região à qual elas se entregam.

Mais informação - http://alliancepec.free.fr/Webamap/

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Novo livro sobre os biocarburantes

“A fome, o carro, o trigo e nós”: uma denúncia dos biocarburantes

O biocarburantes são uma descoberta fantástica, mas para quem?

No mundo inteiro, fábricas e refinarias crescem como cogumelos depois da chuva. O trigo, a colza, o girassol, de cá; a palmeira a oleo, a cana do açucar, a soja ou o milho nos países do sul servem a substituir o petróleo. Os vegetais fabulosos, utlisados desdes os primórdios da agricultura para alimentar os homens, enchem hoje os tanques dos carros e dos camiões.

Fabrice Nicolino decidiu escrever sobre este assunto um panfleto, e de mandar um muro a todos os que pretendem que esta mudança é uma boa notícia, mas também aos ingénuos que acreditam no discurso oficial sobre os novos carburantes, apresentados como «ecológicos». Mas a realidade é ao contrário.

Em França, o lobby da agricultura industrial, activamente apoiado pelo estado, procura depois da reforma europeia de 1992, novos escoamentos das suas produções massivas. O boom dos biocarburantes relança também a máquina dos adubos e dos pesticidas, e destruirá em breve os reservatórios de biodiversidade impostos que são os «pousios».

Em outras partes do mundo é ainda bem pior. Da Indonésia ao Brasil, passando pelos Camarões, as raras florestas tropicais intactas são devastadas para deixar o lugar às novas culturas. A procura indecente do norte, que quer continuar a andar de carro a qualquer preço, faz explodir o preço de certos produtos de base: num mundo que conta perto de mil milhões de pessoas a morrer de fome, o sistema industrial prefere o automóvel ao direito indiscutivel de comer o que se necessita

E o cúmulo é que os biocarburantes não são mesmo nada ecológicos. Eles contribuem e contribuirão sempre mais as mudanças climáticas, como o desmonstram numerosos estudos.

Este pequeno livro desvenda uma mistificação total. E denúncia os aproveitadores, mais numerosos do que se pensa. Pois detrás do automóvel estamos nós.

Fabrice Nicolino - "La faim, la bagnole, le blé et nous: une dénonciation des biocarburants", Fayard, (2007)

domingo, 7 de outubro de 2007

10 conselhos para entrar em resistência através do decrescimento

1- Libertar-se da Televisão

Para entar no decrescimento, a primeira etapa é tomar consciência do nosso condicionamento. O vector principal desse condicinamento é a televisão.
A nossa primeira escolha será libertar-se.Como a sociedade de consumo reduz o humano à sua dimensão económica – consumidor - , a televisão reduz a informação à sua superfície, a imagem. Meio de comunicação da passividade, portanto da submição, ela não pára de reduzir o indivíduo. Por natureza, a TV exige a rapidez, ela não apoia os discursos de fundo. A televisão é poluente na sua produção, na sua utilização e por fim como lixo. Nós preferimos a nossa vida interior, a criação, aprender a tocar instrumentos de música, encenar e assistir a espectaculos vivos...
Para nos informar-mos temos a escolha: da rádio (sem publicidade), da leitura (sem publicidade), do teatro, do cinema (sem publicidade), dos encontros, etc...

2- Libertar-se do automóvel

Mais que um objecto, o automóvel é um simbolo da sociedade de consumo.
Reservado aos 20% dos habitantes mais ricos do planeta, ele conduz inexoravelmente ao suicídio ecológico pelo esgotamento dos recursos naturais (necessários á sua produção) ou pelas poluições multiplas que, entre outras, levam ao aumento do efeito de estufa. O automóvel provoca guerras pelo petróleo das quais a última data do conflito iraquiano. O carro tem também como consequência uma guerra social que conduz a uma morte todas as horas apenas em França (em Portugal também!). O automóvel é uma das epidemias ecológicas e sociais da nossa era.
Nós preferimos: a recusa da hipermobilidade, a vontade de morar perto do nosso local de trabalho, caminhar, a bicicleta, o comboio, os transportes públicos.

3- Recusar apanhar o avião

Recusar apanhar o avião, é primeiro que tudo romper com a ideologia dominante que considera como um direito inabalável a utilização deste meio de transporte.
No entanto, menos de 10% dos humanos já apanharam o avião. Menos de 1% o apanha todos os anos. Esses 1%, a classe dominante, são os ricos dos países ricos. São estes mesmos que possedem os medias e que fixam as normas sociais. O avião é o meio de transporte o mais poluente por pessoa transportada. Devido á sua rapidez ele artificializa a nossa noção de distância.
Nós preferimos ir menos longe, mas de melhor forma, a pé, de carroça, de bicicleta ou de comboio, de barco á vela, com todos os transportes não motorizados.

4- Libertar-se do Telemóvel

O sistema gera necessidades que se tornam dependências. O que é artificial torna-se natural. Como muitos dos objectos da sociedade de consumo, o telefone é uma falsa necessidade criado artificialmente pela publicidade. “Com o telemóvel é contactavel a qualquer momento”. Com o telemóvel nós deitamos fora também os micro-ondas, as máquinas de cortar relva e todos os objectos inúteis da sociedade de consumo.
Nós preferimos ao telemóvel o telefone fixo, o correio, a palavra, mas sobretudo nós queremos existir por nós próprios em vez de tentar esconder o vazio existêncial com objectos.

5- Boicotar a grande distribuição

A grande distribuição é indissociavel do automóvel. Ela des-humaniza o trabalho, ela polui desfigura as cidades, ela mata os centros das cidades, ela favoriza a agricultura intensiva, ela centraliza o capital, etc. A lista de epidemias que ela representa é demasiado longa para ser enumerada aqui.
Nós preferimos: antes de mais consumir menos, a autoprodução alimentar (hortas), o comércio local, os mercados, as cooperativas, o artesanato.
Todo isto nos levará a consumir menos e a recusar os produtos manufacturados.

6- Comer pouca carne

Ou melhor, comer vegetariano. A condição reservada aos animas de criação revela a barbarie tecnociêntifica da nossa civilização. A alimentação carnivora é também uma problemática grave ecológica. Mais vale comer directamente os cereais que utilizar terras agricolas para alimentar animais destinados ao matadouro. Comer vegetariano ou menos carne deve ser também ir de encontro a uma melhor higiene alimentar, menos rica em calorias.

7- Consumir localmente

Quando compramos uma banana das Antilhas, consumimos também o petróleo necessário à sua travessia até aos países ricos. Produzir e consumir localmente é uma das condições essenciais para entrar no decrescimento, não num sentido egoísta, claro, mas ao contrário para que cada povo encontre novamente a sua capacidade de autosuficiência. Por exemplo, quando um camponês africano cultiva cacau para enriquecer alguns dirigentes corruptos, ele não cultiva seja o que fôr para se alimentar e para alimentar a sua comunidade.

8- Politizar-se

A sociedade de consumo deixa-nos a escolha: entre a Pepsi-Cola e a Coca-Cola ou entre o café Delta ou o café de comércio justo Max Havelaar. Ele permite-nos a escolha de consumidores. O mercado não é nem de direita, nem de centro nem de esquerda: ele impõe a ditadura finnceira com o objectivo de recusar todos os debates contraditórios e todos os conflitos de ideias. A realidade é a ecónomia: aos humanos de se submeterem. Este totalitarismo é paradoxalmente imposto em nome da liberdade de consumir. O estatuto de consumidor é considerado superior ao de humano.
Nós preferimos politizarmos-nos, como pessoa, em associações, em partidos, para combater a ditadura das empresas. A democracia exige uma conquista permanente. Ela morre quando é abandonada pelos cidadãos. É tempo de lhes levar as ideias do decrescimento.

9- Desenvolvimento pessoal

A sociedade de consumo precisa de consumidores servis e submissos que não desejam mais ser seres humanos por inteiro. O que eles apenas conseguem graças ao embrutecimento, por exemplo, em frente da TV, pelos “lazeres” ou pelo consumo de neurolepticos (Prozac...).
Pelo contrário, o decrescimento económico tem como condição um deslumbramento social e humano. Enriquecer-se ao desenvolver a vida interior. Priveligiar a qualidade das relações consigo e com os outros em deterimento da vontade de possuir objectos que nos possedem... Procurar viver em paz, em harmonia com a natureza, e não ceder à sua própria violência, ai está a verdadeira força.

10- Coerência

As ideias são feitas para serem vividas. Se não somos capazes de as pôr em prática, elas terão apenas como função fazer brilhar o nosso ego. Nós estamos todos sujeitos ao compromisso, mas tentaremos ter o máximo de coerência. É a condição da credibilidade do nosso discurso. Mudemos e o mundo mudará.
Esta lista não é certamente exaustiva. A vós de a completar. Mas se não procurar-mos esta necessidade de coerência, seremos condenados a viver muito hipocritamente as consequências dos nossos modos de vida. Claro que não existe forma de vida pura na terra. Nós vivemos todos no compromisso e está bem assim.

Pelos Casseurs de Pub (publicidade)