Centenas de pessoas vão juntar-se na Alemanha com o objectivo de pôr fim ao dogma do crescimento económico. Propõem o decrescimento como solução para a catástrofe ambiental e as desigualdade sociais. Uma redução voluntária da produção e do consumo – para maximizar a felicidade e o bem-estar
“Agora apostamos
tudo no crescimento económico", declarava Passos Coelho no início do mês.
“Cinco medidas para promover o crescimento económico”, apresentava em resposta
o PS. “A prioridade é o crescimento económico”, anunciava há meses Jean-Claude
Juncker na candidatura à presidência da Comissão Europeia.
E se, mais do que
para indicadores económicos, olhássemos para os recursos do planeta? E se, em
vez de aumento do PIB e de produtividade, falássemos de bem-estar e de
necessidades reais das pessoas? E se, em vez de crescimento económico,
escolhêssemos o decrescimento?
É o que propõem
economistas, cientistas e ativistas de todo o mundo que se vão juntar para a
“4ª conferência internacional sobre decrescimento, pela sustentabilidade
ecológica e equidade social”. De 2 a 6 de setembro, em Leipzig, na Alemanha,
querem estabelecer passos concretos para uma sociedade para lá do imperativo do
crescimento económico.
O decrescimento é
“uma diminuição da produção e do consumo nos países industrializados, que
aumente o bem estar humano e promova as condições ecológicas e a equidade no
planeta”, explicam os organizadores. “Queremos uma sociedade na qual os seres
humanos vivam dentro dos limites ecológicos. Em que a acumulação material não
tenha uma posição central no imaginário da população.”
A proposta é uma
mudança drástica nos pressupostos económicos desde a Revolução Industrial. Serge
Latouche, economista francês e uma das figuras do decrescimento, afirma que “a
doutrina do crescimento económico é como uma doença e uma droga. Precisamos de
uma desintoxicação colectiva.”
“Todas as
sociedades procuram produzir, e eventualmente crescer, para satisfazer as
necessidades das populações. A nossa não: procura crescer por crescer. Porque é
crescendo que consegue aquilo que está na base do nosso sistema: os lucros”,
afirmava Latouche numa conferência em Lisboa, em março de 2012. “O crescimento
pelo crescimento implica criar um crescimento ilimitado das necessidades das
pessoas. É para isso que servem a publicidade e o marketing. Mas um crescimento
ilimitado do consumo e da produção gera também um crescimento ilimitado de
resíduos e poluição. Vivemos num planeta finito, que é incompatível com um
crescimento infinito. Estamos portanto a caminhar para o desastre.”
Pico do petróleo,
acidificação dos oceanos, alterações climáticas, erosão dos solos, perda de
biodiversidade, escassez de água potável... Hoje torna-se impossível esconder
quanto a actividade humana vem destruindo o equilíbrio que permite a nossa própria
vida no planeta. E se por um lado se esgotam os recursos vitais, por outro a população
mundial não pára de aumentar.
O crescimento é
um elemento sagrado da economia capitalista. Mas para cada vez mais pessoas,
nem o crescimento económico pode ser “sustentável”, nem o capitalismo pode ser
“verde”. Defendem por isso uma diminuição da economia até atingir um nível
sustentável, um estado de equilíbrio. Ou, nas palavras de Latouche, “sair da
sociedade de consumo para uma sociedade de prosperidade sem crescimento.
Reduzir o nosso consumo, o nosso tempo de trabalho, redescobrir o prazer de
viver.”
O argumento é
simples: se os recursos são finitos, então o crescimento também o é. E não é
novo: já na década de 70 o Clube de Roma publicou o famoso relatório “Os
limites ao crescimento” e o economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen
publicou “Amanhã, o Decrescimento”. No entanto partidos políticos, comentadores,
economistas e jornalistas repetem até hoje os chavões da ideologia neo-liberal da
União Europeia: competitividade, produtividade, inovação, tecnologia de ponta,
excelência, eficiência, empreendedorismo... “As medidas anti-crise, que
procuram relançar o crescimento económico, vão agravar as desigualdades e as
condições ambientais a longo prazo”, avisava-se na declaração da Conferência de
Barcelona em 2010. E é no seio da Europa que surge o apelo: “decrescimento
hoje!”.
A Leipzig
chegaram mais de 600 propostas de contribuições vindas de toda a Europa, mas
também do Japão, Índia, Brasil ou Estados Unidos. O numero superou as
expectativas dos organizadores da conferência, que vêm aqui uma prova do
interesse cada vez maior no tema. Na abertura do evento estarão a jornalista
canadiana Naomi Klein, autora do best seller “No Logo”, e Alberto Acosta, um
dos pais da atual constituição do Equador, que advoga o bem estar das
populações, a vida simples e comunitária em harmonia com a natureza, acima da
economia de mercado.
“Chegou a altura
de construirmos estruturas económicas e sociais que permitam uma boa vida para
toda a gente, independente do crescimento económico. Juntamos pessoas de vários
contextos para congregar forças”, afirmam os organizadores, que procuram fazer
da própria conferencia um exemplo de um mundo já transformado. Exemplos? A
equipa organizadora toma as decisões por consenso, usando métodos de democracia
directa, e tem em conta a igualdade de género na atribuição de
responsabilidades. Para que ninguém fique excluído, cada participante pode
escolher por si próprio o valor que quer pagar pela participação na
conferencia. Habitantes da cidade de Leipzig vão oferecer estadia gratuita em
suas casas. A comida será regional, biológica e vegetariana. O evento é
não-comercial, e procura colaborar com associações e projectos sem fins
lucrativos, em vez de empresas. Para ajudar a que pessoas com menos meios
tenham acesso à conferencia, foi ainda lançada uma campanha de crowdfunding (visionbakery.com/degrowth).
Décroissance,
Postwachstum, degrowth, decrecimiento, decrescita – a conferencia vai fazer
convergir uma discussão que se faz em vários lugares e em várias línguas. E o
decrescimento promete tornar-se uma das palavras-chave das próximas décadas.
mais informação:
leipzig.degrowth.org