domingo, 5 de abril de 2009

O Decrescimento?


Fui convidada pela Associação Amigos do Concelho de Avis para falar um pouco sobre o decrescimento no Café com Letras por eles organizado quinzenalmente. Este encontro foi muito enriquecedor para mim, fiquei surpreendida com o interesse e a vida que as pessoas me transmitiram.

Foi-me também pedido para escrever o texto que se segue para o Águia, o jornal da associação.

O Decrescimento?
O decrescimento é um movimento de indivíduos, que um pouco por todos
os países industrializados, se questionam sobre o objectivo principal
da nossa sociedade actual: o crescimento económico.
A primeira coisa com que nos deparamos é mais que uma noção politica
ou idealista, é uma questão física! Não pode existir crescimento
infinito, isto é, sem limites, num mundo finito. Querendo isto dizer
que as matérias primas, sejam elas quais forem, terão, a um
determinado momento, um fim. Sobretudo se continuarmos a explorar
inconscientemente os recursos, sem nunca repô-los
As matérias primas que requerem a nossa principal atenção neste
momento são os combustíveis fosseis, não apenas pelo seu fim estar à
vista, mas sobretudo por cerca de 90% de toda a industria, comercio,
prestação de serviços, etc, se basear nestes para existir. Isto
significa que quando os combustíveis começarem a aumentar
consideravelmente de preço, por se tornar cada vez mais difícil a sua
extracção, o custo, por exemplo, da produção e transporte de bens de
consumo imediato aumentará, e muito. Deixará de ser rentável ir buscar
matérias primas à Ucrânia, que serão transformadas na Índia, embaladas
na China e vendidas em Portugal, porque todos os transportes serão
caríssimos, sem falar da energia necessária para a maquinaria, etc...
Será igualmente caro transportar o lixo que daí advêm para longe do
nosso olhar.
Com este exemplo apercebemo-nos que como consumidores somos
intermediários entre uma cadeia tentacular e espectacular de produção
e uma rede complexa de tratamentos de dejectos, com as quais, no nosso
dia a dia, não temos qualquer contacto e que desconhecemos quasi
totalmente.
Á primeira vista podemos pensar que o decrescimento se debate com
questões de ordem ambiental, pois, ao questionar os limites do
crescimento económico depara-se inicialmente com a destruição dos
recursos naturais, mas este questionamento leva-nos mais além,
damo-nos rapidamente conta da degradação social gerada por este estilo
de vida, o do sempre mais. Mais conforto, mais consumo, mais bens
materiais, mais trabalho, mais custos do conforto, mais tempo nos
transportes públicos ou nas filas de trânsito.
Por o capitalismo não ser uma ideologia, mas uma teoria económica, e
por isso não ter carácter político e social, é vazio a nível humano.
No entanto, tornou-se o motor impulsionador de quase todas as
sociedades, mesmo as de terceiro mundo. Uma sociedade baseada numa
teoria vazia não pode senão gerar uma sociedade com um enorme vazio
humano. A solidão já afecta milhões de pessoas no mundo ocidental, a
depressão é a doença do século XXI. Daí nos perguntar-mos, onde vamos
com esta sociedade em que os valores do foro da economia se sobrepõe
aos valores humanos?
O decrescimento baseia-se nestes dois pontos principais, o ambiente, e
os limites físicos do planeta, e as questões sociais.
O que fazer face a tudo isto?
A primeira coisa é tomar consciência. Quando se está consciente do que
se passa à nossa volta podemos tomar decisões e opções em função disso
e ter poder sobre o rumo da nossas vidas. Muitas pessoas em todo o
mundo fazem a escolha da simplicidade voluntária, o que, por outras
palavras, é optar por ter menos dinheiro, portanto, consumir menos,
mas ter mais tempo para si e para os outros. Ter um emprego em part
time, uma casa com uma renda mais baixa, ir para o campo cultivar a
terra, a auto suficiência, fazer hortas urbanas, são alguns exemplos.
A cada um a sua forma!
Uma vez em consciência podemos sempre ajudar os outros a olhar para o
mundo com olhos de ver. Quantos mais tomarmos decisões conscientes
mais fraco fica o sistema.
Apenas poderemos ter uma vida conforme a nossa vontade quando
construirmos um sistema mais adaptado às nossas necessidades humanas.
Construamos um novo presente!

3 comentários:

jorZ lopZ treegoo disse...

olá, soube do teu 'blog' por acaso, enquanto lia uma revista na sala de espera do dentista - gostei tanto do artigo que pedi p/ trazer a revista... :)
conheces o mini-filme "the story of stuff"?
ah, gostava de ir à quinta luzku fuzku, na guarda - já lá foste? podes dizer-me onde é exactamente etc.?
obrigado, fica bem e boa sorte,
j.

Fernanda Silva disse...

entrevista a Maurizio Pallante (traduçao livre do italiano)

A crise que vivemos a nível mundial é consequência do facto que a economia se baseia no crescimento do PIB, que aumenta continuamente o consumo de recursos, aumenta continuamente a quantidade de resíduos, aumenta continuamente a produção de mercadorias, mas estas mercadorias não encontram uma procura suficiente para as absorver.

Portanto, existe por um lado, um agravamento da crise ambiental, que se soma ao agravamento da crise económica e produtiva. O que é necessário fazer para sair desta situação é um modelo económico diferente do da economia baseada no crescimento.

Nós identificámos de forma emblemática o discurso do decrescimento enquanto contraposição a este mecanismo. Mas contraposição não é simplesmente algo que põe em evidència os aspectos negativos do mecanismo do crescimento. É a exigência de construir, a partir desta constatação, uma economia baseada em critérios de carácter diferente.

Portanto, não é uma diminuição da quantidade, simplesmente, da quantidade de mercadorias produzidas, mas é uma mudança qualitativa dos objectivos e desafios que se colocam à economia.

Deste ponto de vista, nos países ocidentais, esta mudança passa através de um decrescimento, ou seja, uma diminuição da produção e consumo de mercadorias. Pelo contrario, nos países que foram privados das suas riquezas pelo mecanismo do crescimento ocidental, é um modelo de desenvolvimento que renuncia o modelo do crescimento, ou seja, a imitação dos países ocidentais.

O decrescimento nos países ocidentais e industrializados e o não-crescimento dos países pobres, empobrecidos pelo mecanismo do crescimento, unem-se num projecto de futuro para melhorar a qualidade de vida seja dos povos que tenham um PIB muito alto, seja dos povos que tenham um PIB mais baixo. Deste ponto de vista, para ambos, seja para os povos ocidentais seja para os outros povos, creio que um elemento muito importante seja a capacidade de se relacionar com a economia tradicional e a economia de carácter local. Porque existem saberes ligados ao conhecimento dos lugares e à capacidade de procurar, no lugar onde se vive, o que lhe é necessário para a própria subsistência.

Nos países ocidentais, isto significa descobrir, por exemplo, a economia de fileira curta, significa descobrir as actividades artesanais em articulação com a actividade industrial, significa descobrir uma agricultura não finalizada a máxima produção de poucos produtos, mas uma cultura fundamentalmente de subsistência, na qual se auto-produz tudo o que se precisa, e se vendem os excedentes dos produtos que sejam sobre-abundantes em relação às exigências do auto-consumo.

Mas este mecanismo de descoberta da economia tradicional, das fileiras curtas, da actividade artesanal e da economia de subsistência, é também a estrada que permite aos povos pobres de sair da pobreza. Porque todas as vezes que se confundiu a saída da pobreza com a entrada no mecanismo do desenvolvimento, existiu, por um lado um enriquecimento monetário das populações ricas e um empobrecimento, mas não em termos de dinheiro, em termos de diminuição de recursos, porque o que conta para viver são os recursos, e não só o dinheiro, de grande parte da população. Ou seja, o mecanismo do desenvolvimento foi um falso mecanismo para saída da pobreza, que se baseou fundamentalmente na imitação do modelo económico dos países ocidentais.

Considero que estas economias locais dos povos pobres, ou seja, dos povos que não entraram na lógica do crescimento, tem não só capacidade para sair da pobreza, mas também para ajudar os povos ricos, que perderam estas capacidades.

jan 2009

para saber mais:
www.decrescitafelice.it www.decroissance.org

Fernanda Silva disse...

O texto de abaixo é uma tradução livre das “20 Theses against green capitalism”, de Tadzio Mueller e Alexis Passadakis, encontrado no Nowtopia de Chris Carlsson. Alexis é membro da ATTAC Alemanha e Tadzio faz parte do coletivo editorial Turbulence. Reproduzido de Apocalipse Motorizado.

1. A atual crise econômica mundial marca o fim da fase neoliberal do capitalismo. “Negócios como sempre” (financeirização, desregulação de mercados, privatização…) não são mais uma opção: novos espaços de acumulação e tipos diferentes de regulação política deverão ser criados pelos governos e corporações para manter o capitalismo de pé.
2. Além das crises econômica, política e climática, existe uma nova crise atormentando o mundo: a “biocrise”, que é o resultado da mistura suicida entre o ecossistema que garante a vida humana e a necessidade constante de expansão do capital.


3. A “biocrise” representa um perigo imenso à nossa sobrevivência coletiva. Mas, como todas as crises, também apresenta aos movimentos sociais uma oportunidade histórica: a de expor a jugular do capitalismo, ou seja, a sua incessante e destrutiva necessidade de se expandir.


4. Uma das propostas que emergiram das elites globais, a única que se relaciona com todas estas crises, é a do “New Deal” verde. Esta já não é mais a fase do capitalismo verde 1.0, da agricultura orgânica e do “faça você mesmo”, mas sim uma proposta de que esta fase “verde” do capitalismo deve continuar gerando lucros através da modernização de certas áreas de produção (carros, energia, etc).


5. O capitalismo verde 2.0 não é capaz de resolver a “biocrise” (mudanças climáticas e outros problemas ecológicos como a redução da biodiversidade), mas consegue tirar algum lucro dela. Esta postura não altera em nada a rota de colisão entre as economias de mercado e a biosfera.


6. Não estamos mais em 1930. Naquela época, através da pressão de movimentos sociais, o velho “New Deal” redistribuiu o poder e a riqueza. O “Green Deal” discutido por Obama, pelos partidos verdes ao redor do mundo e pelas corporações multinacionais está mais relacionado ao “bem-estar” das corporações do que das pessoas.


7. O “Capitalismo Verde” não vai colocar em discussão o poder daqueles que mais emitem gases de mudanças climáticas (empresas de energia, companhias aéreas, montadoras de automóveis, agricultura industrial), mas simplesmente vai despejar mais dinheiro nestas empresas, para ajudá-las a manter seus lucros mediante pequenas mudanças ecológicas, que serão muito pequenas e tomadas muito tarde.


8. Em escala planetária, os trabalhadores perderão seu poder de exigir salários decentes. Em um mundo configurado pelo “capitalismo verde”, os salários deverão estagnar ou decair para cobrir os custos da “modernização ecológica”.


9. O Estado do “capitalismo verde” será autoritário. Justificado pela ameaça de crise ecológica, o Estado irá “gerenciar” as agitações sociais que necessariamente irão emergir do aumento do custo de vida (comida, energia, etc) e do decréscimo dos salários.


10. No “capitalismo verde”, os pobres serão excluídos do consumo, empurrados para as margens, enquanto os mais ricos terão que “ajustar” seu comportamento destrutitvo indo às compras e salvando o planeta ao mesmo tempo.


11. Um estado autoritário, o aumento das desiguldades, o bem-estar das corporações: do ponto de vista da emancipação social e ecológica, o “capitalismo verde” será um desastre do qual não conseguiremos nos recuperar jamais. Hoje nós ainda temos a chance de superar paradigma suicida do crescimento constante. Amanhã, quando nos acostumarmos ao capitalismo verde, isso não será possível.


12. No “capitalismo verde” existe um perigo estabelecido: os grandes grupos ambientais passarão a desempenhar o mesmo papel que os sindicados desempenharam na era Fordista: agir como válvulas de escape para assegurar que as demandas de mudança social e que nossa raiva ficarão contidas dentro dos limites estabelecidos pelo capital e pelos governos.


13. Albert Einstein definiu “insanidade” como “fazer a mesma coisa repetidas vezes e esperar resultados diferentes”. Na década passada, apesar de Kyoto, não apenas cresceu a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, como também foi aumentada a taxa de crescimento destas emissões. Queremos apenas mais do mesmo? Não seria isso uma insanidade?


14. Os acordos climáticos internacionais promovem as falsas soluções, que geralmente visam garantir apenas a segurança energética e não atacar as mudanças climáticas. Longe de resolver crises, o comércio de carbono e as medidas a ele associadas servem apenas como escudo político para que as emissões de gases de efeito estufa continuem a ser feitas impunemente.


15. Para muitas comunidades do Sul do planeta, estas falsas soluções (biocombustíveis, “desertos verdes” e comércio de carbono) muitas vezes configuram uma ameaça maior do que as próprias mudanças climáticas.


16. Soluções reais para a crise climática não vêm de governos e corporações. Elas vêm de baixo, da sociedade global e dos movimentos que lutam por justiça climática.


17. Estas soluções incluem: não aos acordos de livre comércio, não às privatizações, não à flexibilização dos mecanismos de controle. Sim à soberania alimentar, sim ao decrescimento, sim à democracia radical e sim a deixar os recursos naturais onde eles se encontram.


18. Configurados como um movimento emergente por justiça global, devemos lutar contra dois inimigos: as mudanças climáticas e o capitalismo “fossílico” responsável por elas e, por outro lado, também será preciso lutar contra o emergente “capitalismo verde”, que não vai interromper o processo destrutivo, mas sim limitar a nossa capacidade de atuar para a impedir a destruição.


19. É claro que mudanças climáticas e acordos de livre comércio não são a mesma coisa. Mas o protocolo de Copenhagen será uma instância regulatória, da mesma forma que a OMC foi central para o capitalismo neoliberal. Então, como relacionar as duas coisas? O grupo dinamarquês KlimaX argumenta: um bom acordo é melhor do que nenhum acordo - mas nenhum acordo é melhor do que um mal acordo.


20. A chance dos governos sairem de Copenhagem com um “bom acordo” é praticamente zero. Nosso objetivo deve ser exigir soluções reais. Se isso não for possível, devemos esquecer Kyoto e impedir Copenhagem (não importa qual seja a tática).

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